microaudiocontos

  • 007

    Escorregando pelo corrimão das escadas ou arrastando-se por baixo dos móveis da sala, aquele moleque era mesmo um zero zero sete!

  • Acidente

    Acidente na estrada. Os que passam agradecem por não ter sido com eles.

  • Aeromoça

    Ao ver uma aeromoça, sentia o maior tesão. Até hoje sua mulher não entende por que ele insiste em fazer sexo na poltrona, fingindo estar num avião.

  • Aftas

    Caprichando com os lábios e a língua, Pedrão aprofundava o beijo na tímida garota, que se contorcia e gemia sem coragem de dizer que estava com aftas.

  • Agente

    No meio do combate ao crime internacional, o agente secreto teve que parar tudo e obedecer o comando de sua mãe para jantar.

  • Ajuda

    Ajuda ele emprestava a juros. Amor só dava a prazo. Rancor era à vista. A gratidão só recebeu fiado.

  • Alfinetes

    Era apenas uma fotografia, mas espetar-lhe os alfinetes dava-lhe quase tanto prazer como se os enterrasse na carne dele.

  • Álibi

    No fim da festa, o vinho caiu na roupa da mulher e molhou seu álibi.

  • Alienígenas

    Os habitantes daquele planeta iam a templos, que eram salas escuras, carregando pipocas e refrigerantes para suas oferendas.

  • Almofada

    Ao sonhar com o namorado, Débora dormia abraçada com a almofada. Ao acordar, ela estava toda molhada.

  • Amanhecer

    O galo canta ao amanhecer, avisando o amante da mulher do guarda-noturno que é hora de se vestir e correr.

  • Amnésia

    Ele foi para o governo e foi atacado por um tipo de amnésia que o fez esquecer de todos os amigos e compromissos antigos.

  • Andarilho

    O andarilho caminhava sob um sol escaldante. O calor, cada vez maior, dilatava a estrada e dobrava a distância a ser percorrida.

  • Andróide

    Eu robô disse o andróide, entregando-se à polícia.

  • Aposta

    Perdeu o bigode numa aposta. Mais tarde foram-se o carro, a casa, a mulher e os filhos. Hoje é eunuco e parou de arriscar no jogo.

  • Aquário

    O gato dormia no tapete da sala, aproveitando a calma da casa antes de darem pela falta do peixinho no aquário.

  • Araponga

    O araponga falava latim com fluência. Tinha aprendido a espionar no seminário.

  • Arqueóloga

    Olha só, um CD de antigamente! - exclamou a arqueóloga mirim ao achar um velho LP em vinil na casa do avô.

  • Árvores

    As árvores passavam céleres pela janela do trem mas seu olhar nada via, parado onde embarcara.

  • Asfalto

    Ele arremessou-se ao asfalto, rolou para baixo do carro e seus dedos se esticaram a tempo de salvar o anel dela.

  • Assalto

    Foi assaltado na esquina. Ao esvaziar os bolsos, aquela fotografia caiu ao chão. O ladrão ao vê-la caiu em prantos.

  • Assassino

    Era um assassino serial. Matou a aula e foi ao cinema. Traçou um lanche e matou a fome. Depois, sem mais nada para fazer, ficou matando o tempo.

  • Astronauta

    Ele sonhava ser astronauta, nem carta de motorista tirou. Ela queria ser princesa, da favela nunca passou. Quando se conheceram, nada disso importou.

  • Atitude

    Um lance, uma parada, aquela mina era toda ligada. Mó legal, chegada nos manos, cheia de atitude, mas quando dizia algo ninguém entendia nada.

  • Atrasado

    Era um sujeito tão atrasado que sua sombra só ficava embaixo dele quando já começava a anoitecer.

  • Atraso

    Ela se desesperou ao perceber que a mala não chegara no desembarque, sem saber ainda que esse atraso salvou sua vida.

  • Atropelado

    Lutando contra a ditadura, passou dos oitenta anos de idade, mas ao dar um mero passeio noturno no quarteirão, morreu atropelado.

  • Autoajuda

    Em seus livros de autoajuda o gordo e triste autor ensinava como emagrecer e ser feliz.

  • Avestruz

    O homem-avestruz era muito recursivo. Ele mesmo criava em sua cabeça os buracos onde a enfiava.

  • Avião

    Arlete esperava o avião. Todos foram pousando, só o de seu namorado não.

  • Aviãozinho

    Abre a boca e olha o aviãozinho! Ele abriu e comeu tudo, mas alguns passageiros ainda ficaram presos em seus dentes.

  • Bailarina

    Sem ninguém para lhe dar corda, numa eterna pose, a bailarina da caixa de música foi envelhecendo, coberta de pó, num canto esquecido de um armário.

  • Baralho

    As senhoras jogavam baralho com tanto entusiasmo que não perceberam quando o marido de uma delas se jogou pela janela do apartamento.

  • Barba

    Colocou a barba na cara e deixou um cachimbo lhe crescer na boca. Agora, com certeza, suas opiniões seriam respeitadas!

  • Barriguinha

    Ela adorava andar com a barriguinha de fora, pois atingia dois objetivos de uma só vez: despertava a cobiça dos transeuntes e os ciúmes do namorado.

  • Barzinho

    O casal encontrou-se no barzinho. Sentaram-se à mesa e cada um atendeu seu celular. Quando ambos desligaram, voltaram a ficar em silêncio.

  • Beijo

    Apesar de agora ele ser um príncipe, ela sempre ficava com um gosto de batráquio na boca após cada beijo.

  • Bengala

    Há muito tempo não precisava mais usá-la, mas a bengala tornara-se parte integrante da sua personalidade.

  • Biblioteca

    Naquela biblioteca, um único livro jamais havia sido retirado. No dia que aquela criança o pegou, o bibliotecário dormiu seu último sono sorrindo.

  • Bígamo

    No túmulo do bígamo, as duas viúvas perguntavam-se quem seria aquela desconhecida que aparecera no enterro.

  • Bingo

    Todos os meses, ela perdia metade da aposentadoria na casa de bingo. Afinal, desculpava-se, era o mesmo tanto que seu marido gastava quando vivo no bar.

  • Binóculo

    Com um binóculo na mão e uma parte de seu corpo na outra, o jovem voyeur esquadrinhava metodicamente todas as janelas da vizinhança.

  • Bistrô

    Era um bom cliente do bistrô. Pena que, acompanhando o vinho, quase só consumia guardanapos de papel, onde escrevia pequenos contos sem parar.

  • Blusa

    No campo, um casal de garotos brinca. A menina rasga a blusa no arame farpado. Olham-se sabendo que as brincadeiras nunca mais serão as mesmas.

  • Bofetada

    A bofetada deixou-lhe a marca dos dedos na face. Ao pensar em lhe pedir desculpas, desejou sentir novamente aquela mão em sua cara.

  • Bola

    Eram onze com camisa e outros onze sem. Todos corriam atrás duma bola já descapotada, único componente do jogo que não gritava ordens ou xingamentos.

  • Boneca

    A boneca caída no chão era a única habitante daquela aldeia destruída.

  • Borboletas

    As borboletas eram tão lindas e coloridas! Pena que não voavam nem viviam, todas espetadas com alfinetes num quadro.

  • Botero

    A gordinha sensual parecia saída de um quadro de Botero. Namorou longamente a vitrine de doces mas, suspirando, pediu apenas um café sem açúcar.

  • Braguilha

    Muito circunspectos e profissionais, voltaram do almoço secretária e patrão. Ela toda alinhada, porém ele com a braguilha desabotoada.

  • Braille

    Quando o cego tocou pela primeira vez a intimidade de uma mulher, sentiu como se a Pedra de Roseta estivesse em braille, pedindo para ser decifrada.

  • Brother

    Nêgo tava numa nice quando pintou um brother com o berro na mão. Apresentou um fininho e, na moral, queimou o chão.

  • Bruxas

    Congestionamento de vassouras na convenção das bruxas. Os semáforos, enfeitiçados, piscam em todas as cores.

  • Bugiganga

    Cada bugiganga a mais que ela comprava, era um orgasmo a menos que deixava de lamentar.

  • Bunda

    A natureza odeia o vácuo. Coitada daquela gorda bunda, que ficou presa pela sucção na privada do avião.

  • Buzina

    Aqueles dois olhos luminosos, destacados na noite, avançavam em sua direção. Quando o alcançaram, uma buzina foi a última coisa que ouviu.

  • Cachorro

    O cachorro levantou a saia da mocinha e o vizinho filmou. Momentos depois, o animal recebeu sua merecida recompensa...

  • Cacique

    O cacique foi levado à cidade grande, onde conheceu avião, computador, rádio, metrô e microscópio. Mas o que mais o impressionou foram as escadas!

  • Cafetina

    No Congresso Nacional, nenhuma bancada tinha tantos deputados como a agenda daquela cafetina.

  • Calcinhas

    Quem olhava a vetusta senhora que passeava no shopping jamais suporia que seu discreto sorriso devia-se a estar sem calcinhas sob o vestido.

  • Camisinha

    Usava camisinha e sentia-se em pecado, mas quando parou de usá-la e morreu com aids não foi beatificado.

  • Campainha

    Apaixonou-se pela vizinha vendo-a à janela. O dia que tocaram à campainha e a viu pelo olho mágico, não teve coragem de abrir a porta.

  • Caneta

    A caneta estava sem tinta, mas suas palavras ainda eram tantas! Teve que continuar em vermelho, com o que ainda tinha nas veias.

  • Capataz

    Aquele capataz era pau para toda a obra. Mas os operários viviam reclamando de serem enrabados a toda hora.

  • Cardume

    Silas era o peixe mais vagaroso do seu cardume. Quando os outros já estavam fritos, ele ainda estava sendo pescado.

  • Careca

    O careca apaixonado suava tanto ao luar daquela noite de verão que a namorada podia ver todas as estrelas em sua calva lustrosa.

  • Cargo

    Enojado com o que viu, renunciou ao cargo e abandonou a capital federal. Sem olhar para trás, com medo de virar estátua de sal.

  • Carpideira

    Quando a carpideira ficou viúva não verteu nenhuma lágrima no velório. Afinal, família é família, negócios à parte.

  • Carrasco

    Casa de ferreiro, espeto de pau - desculpava-se o carrasco perante sua mulher ao se recusar a esmagar aquela barata na cozinha.

  • Carro

    Deixou o carro com o manobrista e foi-se embora. Horas mais tarde, quando se lembrou, não conseguiu evitar o vexame na delegacia.

  • Cartola

    O coelho que morava na cartola xingava o mágico que o espremia ali com dois pombos, uma dúzia de lenços coloridos e cinco velas acesas.

  • Casal

    José, Pedro e Maria formavam um casal. Como assim? Simples. Para eles era muito bom e natural.

  • Casamento

    O assunto do bairro todo naquela semana era o casamento do padre com o travesti.

  • Castigo

    Juquinha era o mais mal-comportado da classe. Ele fazia de tudo para ser castigado, só para ficar mais tempo com a professora.

  • Caviar

    Severino comeu caviar e arrotou. Que saudades da buchada de bode! - suspirou.

  • Ceguinho

    O maior fetiche do ceguinho tarado era poder ser voyeur.

  • Celular

    Ela não largava o celular. Quando ia ao banheiro, seu marido telefonava para saber se ainda iria demorar.

  • Censura

    Na ditadura Solange trabalhava na censura. Até hoje ela fica molhadinha quando vê uma tarja preta.

  • Chaleira

    A chaleira apitava e a velhinha, já meio surda e gagá, saiu correndo para pegar o trem.

  • Chapeleiro

    O chapeleiro maluco dava pulos de alegria quando chegava seu melhor cliente, um verdadeiro bicho de sete cabeças.

  • Chata

    Era uma senhora tão chata que seu maior interlocutor era o espelho e receber spam no e-mail sua maior alegria.

  • Chuva

    Veio a chuva e a cidade encheu, as ruas e as casas alagaram, os rios subiram e sua popularidade afundou.

  • Cineasta

    O decadente cineasta não fazia mais filmes. Agora colocava o que ainda lhe sobrava de talento para fazer patéticos discursos na TV.

  • Cinema

    Matou todos no cinema e voltou para casa ainda a tempo de dar o leite quente e o remédio à sua velha avó.

  • Clandestinidade

    Que saudades da clandestinidade! - pensava o velho militante ao ver seus companheiros no poder.

  • Cócegas

    Era uma moça tão séria que nem quando lhe faziam cócegas na vulva ela sorria.

  • Cola

    A aluna ninfomaníaca escrevia toda a cola da prova nas coxas e deixava os colegas olharem tudo.

  • Colesterol

    O colesterol não lhe deixava comer queijos, o diabetes lhe proibia os doces. Ainda bem que trepar não tinha restrições!

  • Compradora

    Ela era uma compradora tão compulsiva que até para seus inimigos gostava de adquirir pequenos presentes.

  • Confissão

    Ela era tão provocativa que quando foi se confessar quem teve que rezar muitas ave-marias foi o padre.

  • Contrato

    Na hora de assinar o contrato com a casa de espetáculos, o adestrador de pulgas foi muito reticente, recusando-se a colocar os pingos nos is.

  • Controle

    Tudo acabou entre eles no dia em que disputaram, pela primeira vez, o controle do controle remoto.

  • Cornudo

    Era um cornudo tão orgulhoso e machão que quando um cara não quis comer sua mulher encheu-lhe a cara de porrada.

  • Corrupção

    Ele era inocente, mas só quando subornou o juiz é que foi absolvido no processo por corrupção.

  • Costas

    Seus olhos percorriam as costas desnudas dela, onde liam tantas histórias que o faziam divagar...

  • Crueldade

    Supremo requinte da crueldade, ela lambia os dedos depois de comer chocolate, saboreando o súbito silêncio dos colegas no escritório.

  • Culto

    Por centenas de anos mantiveram o culto secreto. Agora reconhecido e oficializado, começaram a perder a fé.

  • Debate

    O debate estava demorado. Cada intelectual era mais erudito que o outro. Metade da plateia dormia, alguns sonhavam.

  • Decapitação

    Noite após noite, ela escapou da decapitação. Mil e uma vezes teceu mundos com sua narração.

  • Decote

    Seu decote chamava tanto a atenção que, naquela noite, até os olhares que não a fitavam ficaram ruborizados.

  • Delegado

    O delegado batucava sambas na delegacia. Naquele plantão, ficou com as pernas bambas ao conhecer Maria.

  • Demissão

    A gravata era a coleira de sua função. Enforcou-se nela quando soube de sua demissão.

  • Democracia

    Era uma democracia? O noticiário da TV mostrava tudo - mas só o que o dono da emissora queria.

  • Demônios

    Os demônios olhavam para ele com olhos amarelados. Abriu sua alma e, quando viu o olhar deles ficar verde, soube que estava salvo.

  • Dentadura

    A velha nunca deveria ter tirado a dentadura na frente do netinho. A partir daquele dia ele tinha mais medo da avó do que dos monstros da TV.

  • Despenhadeiro

    Ela pediu: larga do meu pé! E, ali pendurada, ficou vendo o corpo dele afastar-se, caindo no despenhadeiro.

  • Detetive

    O detetive, na campana, esperava para fotografar mais um adultério. Ao ver a entrega dos amantes, mudou de profissão.

  • Deuses

    Baco estava bêbado e Afrodite no cio. Naquela noite, os deuses no Olimpo não conseguiram descansar.

  • Dom Quixote

    Dom Quixote do asfalto ataca semáforos de vento para resgatar Dulcineia do congestionamento.

  • Drácula

    O conde Drácula era um atencioso anfitrião. Sempre alimentava seus convidados antes de estes lhe servirem de refeição.

  • Drag Queen

    O soutien dançando, a calcinha apertando os bagos. Ai, minha amiga, às vezes não é nada fácil esta vida de drag queen!

  • Dupla

    Dr. Jekyll e Mr. Hyde formaram uma dupla caipira. Os espetáculos foram um fracasso, pois quando um subia ao palco ninguém achava o outro.

  • Economia

    O jornal estampava na manchete como a economia ia bem. Debaixo dele, o mendigo que abrigava dormia, agora despreocupado.

  • Editorial

    Era ele quem escrevia todos os dias o editorial. Não acreditava em nada mas, redator competente, dizia o que queria o dono do jornal.

  • Ele Ela

    Ela era negra e ele judeu. Ela era católica e ele ateu. Ele engordou e ela emagreceu.

  • Embaixador

    Ao sorver o primeiro gole de café, a xícara quase lhe caiu das mãos, a boca e garganta queimadas contiveram um grito. Então o embaixador sorriu.

  • Encefalograma

    O cérebro havia encolhido, apontava o encefalograma do escritor de microcontos.

  • Enfermeira

    A enfermeira aplicava injeções tão bem que os elogios a seu trabalho eram abundantes.

  • Enforcado

    No cadafalso, prestes a ser enforcado, dedicou os últimos instantes de vida a procurar, na multidão, aquela que seria a homenageada com sua última ereção.

  • Ensaboada

    Toda nua, ensaboada, ela recordava debaixo do chuveiro aquelas mãos que não eram suas, mas que desejava que nunca abandonassem seu corpo.

  • Erudito

    O pedante erudito, ante os prenúncios da precipitação pluvial, titubeou em prosseguir seu périplo, pois pedia um guarda-chuva e ninguém entendia nada.

  • Escola

    Ela ia mal na escola, mas seus Sims, no computador, eram os melhores alunos e só tiravam notas altas.

  • Escritor

    O escritor plantou um pé de feijão mágico, que cresceu muito. Quando ia subi-lo para o castelo nas nuvens, foi detido por violar direitos autorais.

  • Esperança

    Dona Izilda tinha muita esperança e orgulho em seus alunos. Quando foi assaltada por dois deles, levaram-lhe muito mais que dinheiro.

  • Espinho

    Ela recebeu um buquê de rosas. Um espinho perdido tirou-lhe uma gota de sangue, que se escondeu vermelha entre as pétalas.

  • Esquerda

    Ele era de esquerda. Era. Agora está no poder. Está.

  • Esquina

    Ela se prostituía sempre na mesma esquina. Naquela noite só um dos seus sapatos estava lá.

  • Estrada

    Um mendigo atropelado na beira da estrada. Os carros se desviam o suficiente para não sujarem os pneus com sangue.

  • Estúpido

    Ele era estúpido e malvado. Foi eleito presidente. No poder, revelou-se muito pior do que o previsto. Foi reeleito!

  • Explicações

    Ele nunca errava. Ao contrário, sempre tinha ótimas e detalhadas explicações para suas maiores cagadas.

  • Facebook

    Ela era a princesa do mundo virtual, com centenas de amigos no Facebook, para compensar os que não tinha na vida real.

  • Falsário

    Que injustiça! - pensava o falsário, preso com vários documentos de identidade. Fernando Pessoa também tinha heterônimos e nunca fora em cana!

  • Família

    Papai é um assassino e titio ladrão. Mamãe estelionatária e o filhinho um delator. Agora a família está toda reunida na prisão.

  • Fanho

    Nem a ciência explicava como ele era tão fanho quando administrava e tão bem falante quando fornicava.

  • Fantasmas

    Na casa assombrada, os fantasmas escondiam-se apavorados toda a vez que os novos moradores ligavam a televisão.

  • Fast Food

    Perpretou bárbaros crimes na guerra. Ao retornar ao lar, voltou a massacrar apenas grandes quantidades de fast food.

  • Fauno

    Seu Malaquias é um pacato e respeitável aposentado. Mas, quando entra no mundo virtual, torna-se um fauno eletrônico, usando o nick Peba na Pimenta.

  • Feriado

    No feriado prolongado a cidade vazia estava tão calma como uma aldeia na hora da sesta.

  • Flores

    Flores murchas ornavam as janelas da velhinha meticulosa. Os vizinhos distraídos e a família ausente demoraram meses para achar seu cadáver na sala.

  • Formiga

    Era uma vez uma formiga que ficou desempregada. Quando aprendeu a tocar violão com a cigarra percebeu que ainda tinha toda a vida pela frente.

  • Fóssil

    O velho dinossauro trabalhava como fóssil no museu. Achava muito enfadonho não poder se mexer, mas eram os ossos do ofício!

  • Freira

    A freira fazia tricô no aeroporto. Depois que passou um belo comissário de bordo, observado pelo canto do olho, ela teve que refazer várias fileiras.

  • Fumaça

    Ela estava calada e seu olhar absorto nada dizia, mas na fumaça do cigarro desenhavam-se os seus pensamentos. Para que ninguém a decifrasse, parou de fumar.

  • Fumo

    Quando era jovem queimava fumo escondido dos pais. Hoje fuma escondido dos filhos.

  • Funerais

    Ele adorava funerais. Misturava-se aos presentes e abraçava-os chorando, como nunca pudera fazer com sua família.

  • Funeral

    Seu funeral teve tantos discursos que o morto conseguiu ser ainda mais enfadonho do que fora em vida.

  • Furacão

    Um pequeno furacão seguido de uma grande inundação, foi o que bastou para mostrar o terrível país por trás daquela nação.

  • Gagarin

    Gagarin viu a Terra azul. As guerras a fizeram avermelhada. Com a poluição, está ficando toda cinzenta.

  • Galo

    O galo de briga perdeu os dois olhos. Assim, não pôde ver seu dono sorrindo com o dinheiro ganho na luta.

  • Galope

    Um galope na madrugada. Era uma janela no tempo que trazia ecos de uma heróica cavalgada.

  • Gângster

    Em outra encarnação ele tinha sido um perigoso gângster. Hoje, professor numa escola da periferia, tinha o carro arranhado pelos alunos.

  • Gansa

    Muito organizada aquela mamãe gansa: põe um ovo todo o dia mas dois no sexta, que sábado ela descansa.

  • Garotinho

    O garotinho estava correndo e bateu com a cabeça. Teve que levar três pontos, mas só berrou mesmo foi na hora da anestesia.

  • Gato

    O gato foi ao cinema mas não entendeu um miau pois as legendas eram em auau.

  • Gaveta

    Naquela gaveta aberta ele procurava entre todos os objetos um pedaço perdido de sua alma.

  • General

    O velho general, na cama, sonhava com todas as guerras que nunca travara mas para as quais toda a vida se preparara.

  • Gestapo

    Otto tinha trabalhado na Gestapo. Agora, já bem velhinho, limitava-se a arrancar devagarinho as pernas das moscas que conseguia capturar.

  • Gincana

    No meio da madrugada, seu desafio, naquela improvisada gincana, era achar chocolate e abacaxi para a grávida que o aguardava em casa.

  • Girafa

    Juliana era uma girafa muito vaidosa. Vivia com torcicolos, por tentar se admirar em todos os espelhos que encontrava.

  • Godzilla

    Godzilla invadiu o Vaticano, pisando em tudo e abocanhando clérigos em fuga. Seus urros eram ainda mais assustadores pois não tinha papas na língua.

  • Gororoba

    Ele soube que ela tinha outro quando a comida dela deixou de ser a gororoba de sempre. Mas calou-se e engordou.

  • Goteiras

    As goteiras aumentavam, em cadência com um Mozart ao fundo. O maldito violinista estava de novo em cima do telhado!

  • Grana

    Grana, l'argent, bufunfa, money, dinheiro... Na hora de discutir seu quinhão, todos se entendiam em Babel.

  • Greve

    O andróide saiu da fábrica e viu os humanos em greve lá fora, mas não estava programado para entender o que acontecia.

  • Guantánamo

    Ele sonhou que era um soldado americano. Ao acordar, o pesadelo era muito pior. Ele era um prisioneiro em Guantánamo.

  • Guarda-chuva

    O velho guarda-chuva esquecido andou de mão em mão até chegar a um mendigo, seu último destino.

  • Guardanapo

    Foi sua primeira vez num restaurante japonês. Assustou-se com o guardanapo cozido e o peixe cru.

  • Gude

    No leito da morte, o ancião relembrava toda a sua vida. Tudo o que desejava agora era ter de volta suas bolinhas de gude.

  • Guerra

    O movimento de tropas não deixava mais dúvidas a respeito da guerra que se iniciava. Mas seu maior problema no momento era cortar aquele bife duro.

  • Harakiri

    No meio da cerimônia do chá, o monge soltou um sonoro e inadequado peido. Por muito menos, seu avô tinha feito harakiri.

  • Herói

    Quando criança, era sempre o último na chamada escolar. Superado o trauma, virou herói e passou a assinar sua inicial com a ponta da espada.

  • Hipnotizado

    Ele estava completamente hipnotizado pela dançarina do ventre. Meio século depois, continuava.

  • Hipocondríaco

    Antenor era um hipocondríaco de grande erudição. Além dos remédios que tomava, milhares de outras bulas formavam sua ampla coleção.

  • Histérica

    Era um amor proibido. Ela era histérica e ele deprimido.

  • Historiador

    Napoleão bebera cicuta e Sócrates fora envenenado por arsênico, afirmava o convicto historiador oligofrênico.

  • Hitchcock

    Olga gostava tanto de viver com segurança momentos de pavor, que sempre colocava fundos musicais de filmes de Hitchcock ao tomar banho no chuveiro.

  • Homem-bomba

    No caixa do supermercado, escolheu a maior fila de todas. E o homem-bomba ficou à espera da sua vez...

  • Humorista

    Que saudades da ditadura! - lamentava-se o humorista, cada vez mais suplantado pela realidade dos fatos.

  • Igreja

    Naquela rua, um novo templo da Igreja Universal. Que pena, era um cinema tão legal...

  • Incêndio

    As chamas queimaram tudo. Nos escombros do prédio, aquela privada, branca e reluzente, não fazia o menor sentido.

  • Inclusão

    Ele ainda não estava preparado para a inclusão digital e ficou com o analógico a lhe doer.

  • Infância

    Dona Rosa andou de avião pela primeira vez na vida. Ao ver tantas nuvens lá embaixo, desenhando bichos e castelos, ficou com saudades de sua infância.

  • Inimigos

    Os dois inimigos reencontraram-se após longos anos. Já bem velhos, não conseguiam mais recordar por que se odiavam.

  • Inquisição

    Frei Adroaldo trabalha na Santa Inquisição. Arranca unhas com toda a piedade e usa o ferro em brasa com muita devoção.

  • Insônia

    Latidos ao longe, na madrugada, eram a única companhia que ele tinha naquela noite de insônia, na cama gelada.

  • Inteligente

    Tóbi era um cachorro muito inteligente. Quando o dono o chamava dizendo "você vem ou não vem?", ele ia ou não ia...

  • Janelas

    Na noite da cidade, as janelas acesas e apagadas dos prédios formavam códigos ainda não decifrados.

  • Jantar

    O jantar estava pronto e ela serviu-o ainda quente. Seu marido morrera há muitos anos, mas ela ainda colocava seu prato na mesa.

  • Juca

    Juca mordia as pernas da dona pois gostava de morder tudo o que lhe pertencia.

  • Juros

    Ele levantou o traseiro da cadeira mas os juros continuaram a tomar-lhe a dianteira.

  • Lacônico

    Era um anão lacônico com dotes literários; o máximo que conseguiu escrever até hoje foi um microconto.

  • Ladrão

    Era um ladrão muito respeitado. Só caiu na boca do povo quando virou deputado.

  • Lago

    Numa tarde sem vento, de onde vinham tantas ondas naquele lago calmo? Um bote com dois namorados fornecia, mudo, todas as respostas.

  • Lágrimas

    As duas lágrimas, gêmeas de olhos diferentes, juntaram-se finalmente no queixo, de onde saltaram para o abismo.

  • Lamparina

    Depois de acariciar demoradamente a lamparina mágica, a sensual fada satisfez seus desejos três vezes.

  • Lanterninha

    O lanterninha atrapalhado jogava silhuetas na tela, introduzindo novos personagens no filme.

  • Lareira

    O crepitar da lenha na lareira não era alto o suficiente para abafar os gemidos e murmúrios dos dois corpos nus que se enroscavam no chão da sala.

  • Laxante

    O ministro da economia vivia com prisão de ventre mas recusava-se, por princípio, a tomar laxante.

  • Livros

    Plena madrugada, naquele prédio estava sempre acesa a terceira janela. Um doente terminal vivia com intensidade, lendo todos os livros que ainda podia.

  • Lolita

    Lolita era tão terrível na arte da sedução que seu ursinho de pelúcia vivia morto de tesão.

  • Louco

    O louco no alto da montanha mascava cactos alucinógenos. Quando desceu, formou-se em direito e hoje é um digno promotor.

  • Loucos

    O número de loucos é infinito. A demência é universal. Eu mesmo não sou muito normal.

  • Lua

    Leila vivia no mundo da lua. Quando passeava sozinha de noite, era iluminada pelo grande planeta azul lá no céu.

  • Lucidez

    Quando Otacílio olhou pela janela do avião e viu sua avó sentada na asa a fazer tricô, teve um último lampejo de lucidez e soube que estava louco.

  • Luz

    Apague a luz, pediu ela. Me dá um beijo, ele pediu. E para todo o resto não precisaram de mais palavras.

  • Maestrina

    Na cozinha as panelas cantam, na sala os estômagos roncam. A maestrina dá os últimos toques nessa sinfonia com o tilintar dos talheres ao pôr a mesa.

  • Maestro

    O velho maestro, já bem alcoolizado, brigou com o barman, que não obedecia sua regência com o tilintar dos copos que lavava.

  • Magrinha

    Para ficar bem magrinha, ela vomitava várias vezes ao dia. Quando se suicidou, pulando do vigésimo andar, seu corpo caiu a muitos quarteirões dali.

  • Mala

    Pegou a mala errada no aeroporto. Apaixonou-se perdidamente pelo perfume das roupas que ali estavam e até hoje tenta achar a quem pertencem.

  • Malabarista

    Quando o malabarista chinês fazia acrobacias com seus bastões pegando fogo, desenhava misteriosos ideogramas no ar.

  • Maluco

    Era um cientista maluco, achava que tinha sido ele a inventar a bicicleta, o iogurte e o relógio de cuco.

  • Malvada

    Letícia era muito malvada. Todos os dias passava bastante cera nos degraus da escada.

  • Mamilos

    Suas colegas riam nervosas, os meninos engoliam em seco e ela ficava ruborizada. Só seus mamilos, bem duros, permaneciam imperturbáveis.

  • Manhã

    Todas as noites ela sonha com tudo o que não ousa nem pensar durante o dia. Às vezes não consegue dormir. Certa manhã não se dá conta que acordou.

  • Manicômio

    O diretor do manicômio proibiu os pacientes de verem os noticiários da televisão, pois eles já estavam começando a acreditar no que era transmitido.

  • Mapa

    O mapa que herdara assinalava o local do tesouro mas não indicava em que parte do mundo se encontrava. Sem saber, viveu toda a sua vida sobre ele.

  • Marinheiro

    O velho marinheiro já estava meio surdo, mas ao encostar a concha no ouvido escutou novamente todos os sons daquele naufrágio.

  • Matusalém

    Como o tempo passa depressa! Já se foi mais um século? Perguntou-se Matusalém...

  • Média

    No emprego o ambiente era estressante; tinha que fazer média o dia todo. Pra compensar, na padaria sempre pedia em copos separados o café e o leite.

  • Memória

    Sua memória andava cada vez pior! Quando, finalmente, achou a chave do armário e o abriu, descobriu o esqueleto do amante esquecido.

  • Mentira

    A mentira tinha pernas curtas e não alcançava a verdade. Colocou saltos altos, mesmo sem ir muito longe, ficou bem mais charmosa.

  • Meticuloso

    O suicida era tão meticuloso que teve que refazer diversas vezes o nó da corda para se enforcar.

  • Milongueiro

    O velho milongueiro, todo de preto, murmura com fervor as letras dos tangos no ouvido de cada parceira de dança.

  • Minissaia

    Quando a loira da minissaia cruzou as pernas, o taxista não pôde evitar a olhada no retrovisor nem a batida no cruzamento.

  • Ministro

    O ministro estava sempre com a boca cheia de farofa quando proferia seus discursos explicando os juros à nação.

  • Minúcias

    Ele era tão cheio de minúcias que nem os menos chegados lhe perguntavam mais como estava.

  • Missão

    Ele viera de outro planeta com uma missão. Mas agora que conhecera o sabor de uma mulher, ser mais um maldito terráqueo era seu único desejo.

  • Moleques

    Os moleques jogavam bola no meio da rua. Num passe mais forte, um deles correu para evitar a saída da pelota. Mas não evitou o motorista desatento...

  • Momento

    Num momento normal de si mesmo, olhou-se para dentro e descobriu que há muito tempo não se via.

  • Monstros

    Matara todos os monstros e ia subir ao maior nível. Seu desespero saiu como um lancinante grito, na falha da luz que desligou o computador.

  • Montanha

    Ele morava no alto da montanha. Depois de tantos anos, já não sabia a diferença entre formigas e humanos.

  • Morse

    O vendaval fazia um galho da árvore tamborilar na janela do velho telegrafista, trazendo-lhe estranhas mensagens em código Morse.

  • Mosquitos

    Naquela sinfonia de mosquitos na madrugada, tentando matá-los, ele sentia-se um maestro com aquela almofada.

  • Mucama

    Anastácia era uma linda mucama. Ia com a senhora às compras, fazia quitutes para as crianças. Mas suas mais belas prendas servia ao senhor na cama.

  • Mudança

    Os homens da mudança chegaram com o caminhão e encaixotaram tudo o que ela juntara durante a vida, cada pedacinho de si mesma.

  • Mulher-gorila

    A mulher-gorila fugiu com os irmãos siameses. Denunciados pelo dono do circo, eles foram presos por bestialismo e ela por bigamia.

  • Multas

    De tanto aplicar multas, o guarda de trânsito adquiriu uma lesão de esforço repetitivo.

  • Múmia

    A múmia saiu de seu sarcófago e, atravessando a tela do cinema, colocou a todos em alucinada fuga.

  • Nabucodonosor

    Nabucodonosor era um boi que pastava na Babilônia. Hoje, como touro reprodutor, faz o maior sucesso em Goiânia.

  • Namorados

    Numa praça, dois enamorados olhavam o verde da paisagem na tarde quente. De repente, a noite subiu e eram estrelas seu olhar...

  • Natal

    Naquele Natal ele trouxe para casa o filho que havia feito em suas viagens.

  • Náufrago

    O náufrago na ilha deserta agora só tinha os olhos no céu, onde as nuvens desenhavam tudo o que ele precisava.

  • Navio

    Quando o navio deixou o cais, seu espírito rumou célere para o horizonte, enquanto sua alma ficava presa para sempre em terra.

  • Nhoque

    Com as respectivas dentaduras sobre a mesa, o casal de velhinhos protagonizava um espetáculo obsceno ao comer uma lauta refeição de nhoque ao sugo.

  • Noite

    Noite e silêncio. A luz amarela do poste recorta a sombra de uma árvore na calçada. Suas folhas se mexem, agitadas por duas silhuetas nela encaixadas.

  • Novela

    Todo o dia ela assistia a novela. A cada capítulo se apaixonava mais pelo ator. Quando este se casou com a heroína, ela resolveu dar para o vizinho.

  • Núpcias

    No dia seguinte à noite de núpcias, ela jurou dedicar o resto de sua vida para destruí-lo aos poucos.

  • Óculos

    Ela tinha três pares de óculos, para ver de perto, ao longe e os de sol. Mas sempre que precisava usar algum era o que havia deixado em casa.

  • Olhos

    Maria Rita arrancou os olhos de sua boneca. No lugar colocou os que tirou do irmão.

  • Ombudsman

    Era uma facção tão institucional do crime organizado que criar o cargo de ombudsman pareceu até natural.

  • Onanista

    O jovem onanista era hábil em navegar pelos websites e salas de chat com uma só mão no teclado.

  • Onda

    Uma onda gigante levou seu filhos. Outra onda, bem menor, trouxe de volta os seus cadáveres.

  • Operário

    Ele era um operário padrão. Levantava furiosamente as paredes de tijolos porque a mãe nunca tivera mais que um barraco.

  • Orador

    O orador possuía uma curiosa habilidade: quanto mais falava, menos a plateia entendia o que ele dizia.

  • Órfão

    O pequeno órfão da rua busca a mãe em qualquer um que lhe estenda a mão e procura o pai em todos os que lhe dão o pão.

  • Orgasmos

    O novo aparelho garantia orgasmos sem fim. Exausta, sem mais forças, ela ainda tentou achar o botão de desligar.

  • Otimismo

    Tudo lhe era motivo para otimismo. Quando um pássaro defecou em sua cabeça, regozijou-se pelos elefantes não voarem.

  • Paixão

    Ele estudara a Bíblia, o Corão, o Talmude, Confúncio, Buda e Platão. Mas continuava não entendendo bulhufas acerca da paixão.

  • Palhaço

    Tio Nanias era um palhaço. No boteco, os amigos riam com ele. Mas no circo onde trabalhava ninguém achou graça quando ele foi promovido a gerente.

  • Papagaio

    Espetáculo diário, a cada degrau que o velho subia, com o auxílio das muletas, soltava cabeludos palavrões, repetidos pelo papagaio do vizinho.

  • Paris

    Foi a Paris e subiu na Torre Eiffel para realizar uma velha fantasia, jogar dali um aviãozinho de papel.

  • Parque

    O parque fechou para reparos. Era ali seu refúgio quando apanhava do marido. Na primeira vez que ele encheu a cara, teve que matá-lo.

  • Pé-de-moleque

    Ao comer um pé de moleque, quebrou um dente. Devia ter deixado cozinhar por mais tempo, observou seu colega canibal.

  • Pecados

    Arrependida dos pecados que não cometeu, a velha beata rezava para que no paraíso não fosse tudo igual!

  • Perua

    A perua gostava tanto de galinhar que para ela todo o pinto valia a pena.

  • Pesadelo

    Os decapitados andavam sobre as mãos ou arrastavam-se de joelhos. Era um pesadelo sem pés nem cabeça.

  • Pescadores

    No leito seco do rio, tristes pescadores sem sustento. Mas o choro das nuvens, compadecidas, lhes traz novo alento.

  • Photoshop

    Era tão vaidosa que, para tirar fotografias, gastava uma hora e meia ao espelho e outro tanto no Photoshop.

  • Picanha

    A churrascaria não era das melhores. Até as coxas da garçonete pareciam mais suculentas que a picanha.

  • Picolé

    Tião vende sorvete e vive rodeado pela meninada. Gosta de oferecer seu picolé é quando algum dos pequenos clientes vem acompanhado da empregada.

  • Piercing

    Ela usava piercing na língua e ele no genital. Tiveram que ser socorridos após muitas horas presos no sexo oral.

  • Piloto

    Os vizinhos reclamavam, os cachorros corriam atrás, mas o velho piloto aposentado do oitavo andar continuava a soltar seus aviões de papel.

  • Pinguim

    Lineu era um pinguim atípico, bem friorento. Por isso, trocou seu emprego numa fábrica de geladeiras por outro num sistema operacional.

  • Pinto

    Urinou e sacudiu duas ou três vezes o pinto. Acordou e, num susto, levou a mão entre as pernas. Ufa, ainda era uma mulher!

  • Pirata

    O grande pirata dominava o mercado da música. Seu inimigo eram os piratinhas que copiavam musiquinhas.

  • Pizza

    No restaurante, brigaram feio na hora de escolher entre calabresa e mozarela. A noite não acabou em pizza.

  • Poder

    Era uma feroz luta pelo poder, sem tréguas nem vencedor final: marido e mulher disputavam o controle remoto da TV.

  • Pólen

    O homem da mala ia de gabinete em gabinete, tratando os deputados como se fossem flores, fertilizadas pelo pólen da corrupção.

  • Pontual

    Horácio era muito pontual. Qualquer atraso, de poucos minutos, para ele era uma ofensa moral.

  • Pouco

    Depois que ela partiu ele achou que havia morrido um pouco. Mas estava enganado, pois pouco era muito pouco...

  • Praia

    Pela última vez, escreveu seu nome na orla da praia e ficou vendo as ondas o apagarem para sempre.

  • Prazer

    Armandina caminhava descalça na rua molhada. Esse era o último prazer que ainda lhe restava.

  • Preguiçosa

    Ela estava tão preguiçosa que, naquele dia, quando o amante a convidou para sair, preferiu traí-lo com o próprio marido.

  • Presidente

    Quando o Presidente soltou um peido, os que estavam diante dele fingiram que nada ocorrera, mas os que estavam atrás não puderam fazer o mesmo.

  • Preso

    Atrás das grades, com o olhar posto ao longe no horizonte, após tantos anos ele já achava que o mundo é que estava preso.

  • Profecia

    A antiga profecia era clara e aquela criança foi colocada no trono real. Hoje, as coisas não eram tão óbvias, mas depuseram-no assim mesmo.

  • Programação

    Ao assistir TV na prisão, o que mais o incomodava era estar preso àquela grade de programação.

  • Puta

    Seu pai fora bicheiro e jamais jogara. Ele era traficante e nunca cheirou. Como foi que justo sua mulher, aquela puta, tinha gozado com o cliente?

  • Quadris

    Na varanda da vizinha, as calcinhas postas para secar ao vento agitavam-se como se fossem movidas pelos quadris de sua dona.

  • Quentão

    Na festa junina beijou todas. No dia seguinte, as fotos estavam na internet. Era o cruzamento do quentão com a tecnologia.

  • Quimioterapia

    Com a quimioterapia, seu cabelo havia caído quase todo. Agora, com a luta vencida, deixou crescer cabelo e barba como um velho hippie.

  • Racista

    Era um sujeito tão racista que deserdou os filhos quando voltaram das férias na praia.

  • Radicais

    O ministro era muito gordo e o coronel magro demais. Mas nunca fizeram média pois eram muito radicais.

  • Rambo

    Ele sentia-se um Rambo na selva. Impiedoso, o velhinho com o mata-moscas continuou sua caçada.

  • Rede

    Deitado na rede, ele observava uma fileira de formigas carregando todos os seus problemas para algum lugar longe dali...

  • Reeleição

    Quando o velho deputado perdeu pela primeira vez uma reeleição, a família agradecida fez uma grande comemoração.

  • Refeitório

    O garfo caiu ao chão e todo o refeitório silenciou. Em câmara lenta, a faca caiu depois, seguida do baque surdo de um corpo sem vida.

  • Regras

    João das Regras era muito meticuloso. Quando pegou sua mulher com outro, estipulou que ela jamais o faria a não ser às quartas-feiras.

  • Rei

    Quando o rei da cocada preta descobriu que ficara diabético, virou republicano. Light.

  • Relógio

    Seu relógio marcava sempre a mesma hora e ele nunca o acertava. O instante da morte dela era o momento eterno onde ele também deixara de viver.

  • Remorso

    A cabeça do veado adornava a lareira com seus galhos e um eterno olhar meio acusatório, que trazia algum remorso aos descendentes do caçador.

  • Respostas

    Um queria respostas e o outro não entendia as perguntas. O sinal do recreio salvava ambos.

  • Retratos

    Os retratos que povoavam sua paredes eram os únicos interlocutores com quem a velha senhora ainda conversava.

  • Revólver

    Romeu achava que ter um revólver carregado em casa era garantia de defesa. Mas não pôde defender seus filhos quando pegaram a arma para brincar.

  • Ronco

    Seu Ermelindo roncava tão alto que ele mesmo em seus sonhos não conseguia dormir.

  • Ruas

    Nas férias, a chuva no asfalto duplicava a cidade, o céu e seus prédios, refletidos nas ruas molhadas sem trânsito.

  • Ruínas

    Nas ruínas da velha casa, muitos anos depois, ela ainda podia ver as manchas de sangue onde fora o quarto dos pais.

  • Salomão

    Sentia-se um homem pela metade, sempre dividido. Até hoje não perdoava aquele maldito rei Salomão!

  • Salva-vidas

    Desde a contratação do novo salva-vidas, aquele rapagão forte, os atendimentos de socorro na praia tinham aumentado imensamente.

  • Sapos

    A princesa beijava todos os sapos, esperando desencantar um príncipe. Mas seu pai, o rei, notório engolidor de sapos, não deixava escapar um!

  • Satisfação

    Padre Joel odiava os casamentos e batizados, mas nos enterros tinha até que conter sua satisfação.

  • Saudades

    Sempre que um deles viajava, ficavam com tantas saudades que acabavam brigando feio antes do reencontro.

  • Semícaros

    Os semícaros eram um povo unialado, cada qual com uma única asa. Para voar, tinham que escolher alguém e se abraçar.

  • Senador

    O senador discursava inflamado para uma plateia completamente vazia. Mas a câmara da TV estava ligada.

  • Sentimentos

    Os sentimentos antigos mexem-se mais devagar e por isso demoram mais para sair do lugar.

  • Seriado

    Tiros, explosões, membros decepados e muito sangue, era a grande novidade do mais recente seriado americano na TV.

  • Show

    O show acabou e desligaram as luzes do palco. Mas ele continuava lá, esperando os aplausos que não vieram.

  • Sisudo

    Doutor Ortega era um homem muito sisudo, jamais sorrira em toda a vida. Ao dar a primeira gargalhada, não parou mais, até ser internado pela família.

  • Software

    O programador estava preso. Seu computador travado. O software não era livre mas ele também não.

  • Sogra

    Ele adormeceu lendo alguns contos de Augusto Monterroso. Quando acordou, a sogra ainda estava lá.

  • Soldado

    O soldado era pago para matar. Foi dispensado quando começou a pensar.

  • Sonho

    Um sátiro de bacanais, uma messalina dos carnavais e cinco duendes infernais, aquele sonho foi demais!

  • Sopa

    Bateram à porta. Era um mendigo com uma pedra na mão querendo fazer uma sopa. Deu-lhe um cubinho de knorr e despachou-o logo.

  • Sorvete

    Manuela chupava o sorvete muito lentamente. Mas quem se derretia eram os olhares que testemunhavam a cena.

  • Sósia

    Era um sósia tão perfeito de si mesmo que nem sua mulher percebia quando cometia adultério com ele.

  • Striptease

    Ela faz striptease e ele é michê. Viraram crentes e agora tentam converter seus clientes.

  • Suicídio

    Sorri, amor - pediu ela. Já arrependido do pacto de suicídio, ele foi incapaz de satisfazer esse seu último desejo.

  • Suspiros

    Tarsila fugia do mundo na biblioteca. Lendo fogosos romances, soltava discretos suspiros, atraindo os sáficos e platônicos olhares da bibliotecária.

  • Swing

    No clube de casais, o swing rolava solto. A troca nem sempre ocorria, mas a devolução era garantida.

  • Tamanduá

    Bita era uma formiga ninfomaníaca. Um dia conheceu Bartolomeu, um tamanduá, que a comeu todinha.

  • Tartaruga

    Como é que podiam chamar as residências de imóveis? - perguntava-se a tartaruga, ao ler as notícias do sistema habitacional.

  • Temperamental

    Na cozinha, Ana era muito temperamental. Quando não exagerava na pimenta, abusava do sal.

  • Templo

    Nunca mais foi à igreja pois agora encontrara Deus em outro templo, o corpo da mulher amada.

  • Tempo

    O casal de viajantes do tempo brigou feio. Separaram-se. Ela foi para antes de ele nascer; ele para depois de ela morrer.

  • Tijolo

    A cada tijolo que ele colocava, os muros ficavam mais altos. Mal sabia ele que ali seria o presídio para onde mandariam seu filho.

  • Tingido

    Seu cabelo era tingido, mas combinava perfeitamente com todo o resto, que também era fingido.

  • Tique-taque

    Na tarde, tão quieta, só se ouvia o tique-taque do relógio e uma mosca tentando sair pelo vidro da janela.

  • Torturador

    O torturador não conseguia dormir com os gritos e gemidos de suas vítimas, dubladas pelos pernilongos invisíveis que habitavam sua noite.

  • Tpm

    O gato escondeu-se, o marido conseguiu escapar e os filhos não sofreram muito. Desta vez, sua TPM nem tinha sido das piores.

  • Tradutor

    O tradutor deixou todos felizes. Mas se soubesse traduzir ambos os idiomas, o mundo teria visto nascer mais uma guerra.

  • Tragédia

    Foi no momento mais dramático daquela tragédia que todo o teatro veio abaixo em gargalhadas, ao tocar a pantera cor-de-rosa em algum celular.

  • Trânsito

    Tocam buzinas. Fumaça na cara. Farol vermelho. Vendedor ambulante. Vidros fechados. Calor. Medo. Sinal verde. Olhada no relógio. Merda!

  • Tribunal

    No tribunal, acusado de gerontofagia, assumiu sua culpa; mas, ante a suspeita de pedofilia, declarou-se inocente o lobo mau.

  • Trono

    Era quando ia ao banheiro que o rei, sentado em seu privado trono, gostava de cagar regras para os súditos.

  • Tropa

    Os passos da tropa acompanhavam o ritmo do espoucar dos rojões, anunciando a subida da polícia na favela.

  • Trote

    Puxada pelo cachorro, a franzina senhora trotava pelas calçadas do bairro, usando suas poucas forças apenas para se desviar dos transeuntes.

  • Túmulo

    Sentada no túmulo, como se estivesse num jardim, a jovem viúva lia poemas para o que tão cedo a abandonara.

  • Vampiro

    O maior trauma do vampiro narcisista era não poder se admirar ao espelho.

  • Vaqueiro

    O vaqueiro aboiava ao entardecer e todo o sertão silenciava para se recolher.

  • Varal

    As roupas penduradas no varal ganharam vida durante o vendaval. Pularam para o vizinho. Depois, extenuadas da aventura, descansaram caídas no quintal.

  • Varanda

    Nua na varanda, ela louvava a lua cheia, acompanhada por dezenas de olhos, atrás das janelas de luzes apagadas da vizinhança.

  • Vegetariano

    Alfredo era, há muitos anos, um convicto vegetariano. Mas, ao ver aquelas carnes abundantes e suculentas rebolando, ficou com a boca cheia de água.

  • Velhinhos

    Sentados, na calçada em frente de casa, o casal de velhinhos cumprimenta todos na rua, como se passassem dentro de sua sala.

  • Vestidos

    Ela colecionava sapatos e vestidos. Mesmo que não mais os usasse, jamais se desfazia deles - ao contrário dos maridos.

  • Vibrador

    Quando ele descobriu que a namorada tinha um vibrador, ficou indignado, sentindo-se um corno eletrônico.

  • Videogame

    Aquela guerra era uma simulação, mas quando o videogame entrou em curto, foi bem real o choque que queimou sua mão.

  • Vinil

    O toca-discos arranhava um velho vinil enquanto uma última lágrima sulcava suas faces enrugadas, agora na paz de um sorriso final.

  • Violoncelo

    Ela tinha ciúmes de como ele abraçava o violoncelo. Ainda, pelo menos, se fosse outra mulher...

  • Virgem

    Há muito que Paulinha não era mais virgem. Seus pais achavam que sim, mas os que acompanhavam seu blog na internet sabiam até de todas as minúcias.

  • Vizinha

    Quando ela recebia algum homem, a vizinha de baixo até desligava a inseparável televisão, para melhor monitorar todos os ruídos e murmúrios.

  • Vizinhos

    As formigas, em longa fila indiana, indo de um quintal ao outro, eram a única coisa que unia aqueles dois vizinhos.

  • Xadrez

    O cavalo comeu a rainha, o bispo foi comido pelo peão. Ao ver tamanha depravação, dona Eulália proibiu o neto de continuar a jogar xadrez.

  • Xerox

    Quando a impediram de xerocar o capítulo de um livro, escaneou a própria bunda e imprimiu-a para toda a faculdade.

  • Xixi

    O gato foi treinado a só fazer xixi na caixa de serradura. O dia que esta acabou, lá se foi a farofa do almoço da família.

  • Zona

    O matuto foi para a cidade grande. Logo procurou a zona. Quando o avisaram que ali era tudo travesti, foi aliviado, sem o receio de encontrar a mãe.